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O Futuro está Apenas Começando

O Futuro está Apenas Começando

Um retrato esperançoso da luta dos trabalhadores no novo documentário de Silvio Tendler, que atravessa greves de entregadores, a consolidação do império das máquinas e a importância dos sindicatos na resistência contra a precarização do trabalho

A propósito do seu mais recente filme, The Old Oad – O Velho Carvalho, o diretor britânico Ken Loach, um dos mais brilhantes cineastas em atividade e sempre atento ao documentar as condições de vida dos trabalhadores inseridos no sistema (neo)capitalista, consagrou essa máxima do alto dos seus 87 anos: “O otimismo é progressista; a desesperança nos traz monstros”.

No Brasil, o professor, historiador e premiado cineasta Silvio Tendler, carioca de 73 anos, é bem mais jovem que o colega britânico. Mas, assim como Loach, é autor de um brilhante portfólio de filmes documentários nos quais o pano de fundo é quase sempre a vida, a luta e a trajetória dos trabalhadores.

Conhecido por uns como “o cineasta dos sonhos interrompidos”, e por outros como “o cineasta das utopias”, Tendler é de uma generosidade exemplar. Muitos dos 70 filmes, curtas, médias e longas metragens que já produziu ou dirigiu estão disponíveis no Youtube, gratuitos, e são exibidos para plateias específicas, em escolas, universidades, movimentos estudantis, sindicatos, grupos de ação política, ONGs, cooperativas e organizações de bairros e das periferias das cidades que hoje se (re)encontram em ebulição com o fim do sombrio período político deste país, nos últimos seis anos.

O Futuro é Nosso, de 2022, doc realizado por Tendler durante a pandemia e finalizado no momento imediato da posse do presidente Lula, é o “retrato de uma transição”, como o cineasta define. Uma “homenagem àqueles que perderam suas vidas lutando contra a opressão, e dedicado aos trabalhadores que movem o mundo”. As belas vinhetas do filme, ilustrações de telas de Portinari cedidas por seu filho João Cândido, nos lembram dessa inegável e sofrida realidade.

Mas ambos, Tendler e Loach, estão juntos na expectativa de dias melhores para os que vivem e sobrevivem do trabalho no ‘chão das suas fábricas’. Eles apostam que o futuro é nosso, como afirma o título do documentário realizado em parceria com o Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro, o Sinpro-Rio, e com oportunas entrevistas de profissionais de diversas áreas.

“Estamos vivendo agora um período que antecipa o tempo dos grandes movimentos de trabalhadores pelos seus direitos”: esse é um dos principais recados do doc. Ele aborda a reforma trabalhista que aprofundou a informalidade; vai até o futuro, com a consolidação do império das máquinas e dos robôs; e relembra o geógrafo Milton Santos, como se ouve nas suas falas em off: “As grandes empresas não têm responsabilidade social, e, sobretudo, não têm responsabilidade moral.”

O filme atravessa as inusitadas greves de entregadores por aplicativo e, enveredando pelo tempo presente, constata a proliferação de sindicatos de funcionários das big techs, “um setor de classe média que encontrava saídas totalmente individuais até porque são, muitas vezes, trabalhadores freelancers sem contato com colegas, e que agora passa a se organizar”, observa o professor Rafael Grohman, da Unisinos, em entrevista no filme.

Grohman lembra: “Há uma crescente dependência de plataformas digitais para o trabalhador conseguir trabalho ou se manter nele”, diz o professor, “e campanhas sindicais são importantes e necessárias”.

“Para a gente, antes era bem mais sofrido”, afirma Lora Matoso, catadora de papelão, na sua entrevista no documentário. “Os criadores do aplicativo Cataki fizeram, sim, uma transformação na vida dos trabalhadores”.

E Paulo Galo Lima, o ativo líder do Movimento dos Entregadores Antifascistas, reforça: “Rasgar a CLT é jogar a luta dos meus irmãos no lixo; eu não abro mão. E não abro mão de lutar por mais conquistas pros irmãos que vão vir depois de mim”.

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Porque, é claro, como observa Oswaldo Teles, ex-presidente do Sinpro-Rio, “quem constrói essa sociedade, quem trabalha e quem produz as riquezas, somos nós, trabalhadores”.

“Quando você vive num nível intenso de exploração, você começa a buscar formas de resistir. E, por pior ou por melhor que os sindicatos sejam, é uma das raras ferramentas que a classe trabalhadora possui”, alerta o professor Ricardo Antunes, da Unicamp.

Já Maria Lucia Fattorelli, auditora fiscal aposentada da Fazenda e fundadora da Auditoria Cidadã da Dívida, aponta: “Ninguém consegue mudar nada sozinho, com voluntarismos. O sindicato é aquele fundo protetor que dá capacidade à intervenção junto à empresa em nome de todos os trabalhadores”.

Quem também comparece em O Futuro é Nosso é o economista Varoufákis, ex-ministro das Finanças da Grécia no governo Tsipras, em 2015. Ele lembra: “Esta é a hora da solidariedade. Não existe derrota final nem vitória final. Temos que lutar a mesma luta, geração após geração”.

E o nosso cientista político Roberto Amaral, na sua mais do que justa indignação: “Nós vimos o que foi feito neste país nos últimos seis anos com a Previdência Social, com os direitos dos trabalhadores, com a consolidação das leis do trabalho…”.

O professor Ricardo Antunes arremata: “O trabalho foi profundamente precarizado e o trabalho intermitente foi formalizado”. José de Ribamar Barroso, diretor do Sindpro do Pará, sublinha: “E a Lei diz o que a vida real mostra? O negociado vale mais do que a legislação”.

Conclusão: “A reforma trabalhista com Temer foi uma devastação completa”, relembra Marcus Vinícius Cordeiro, diretor de comunicação da OAB-RJ.

“O progresso não deveria beneficiar a todos?”, indaga Silvio Tendler com o seu novo filme. Ele responde: “não. Sessenta por cento da população brasileira vive sem acesso decente à alimentação. A empregada doméstica não viajou mais para a Disney e os empregados, em 2022, tiveram seus benefícios flexibilizados. O relacionamento entre capital e trabalho sempre será uma relação de opressão”.

Não obstante os atentados às salvaguardas que existiam, no país, no mundo dos que operam o trabalho, um quadro promissor se desenha no horizonte. A imagem do próprio diretor votando, no segundo turno das eleições presidenciais, ano passado, reforça a sua confiança no nosso futuro que começa a se tornar novamente presente, nos recentes seis meses: “O Brasil vai voltar a ser o país dos nossos sonhos”.

Sobre os seus filmes serem considerados autênticos manifestos, Tendler ressaltou, em entrevista ao site Brasil de Fato, o objetivo da sua filmografia. “Fazer as pessoas despertarem para realidade; acordarem para o mundo que estamos vivendo”.

“Greves de entregadores por aplicativo, proliferação de cooperativas e de sindicatos de categorias que rejeitavam qualquer forma de organização mostram que o fio invisível que une os trabalhadores continua a tecer novas formas de luta”, arremata Tendler. “Em diálogo com outras formas já consolidadas, elas movem o pêndulo da História”.

No mais, os destaques dessa “aula de edição, num filme que mais parece uma pós-graduação”, como escreve o crítico Rodrigo Fonseca, a excelente trilha sonora original de EduardoCamenietzki e as entrevistas, entre outras, de Boaventura de Sousa Santos, Roberto Amaral, Marcio Pochman e, naturalmente, de Ken Loach.

*No youtube: https://bit.ly/OFuturoÉNosso_Caliban

*Imagem em destaque: Cena de ‘O Futuro É Nosso’, de Silvio Tendler (Reprodução/Youtube)

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