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40 anos do MST: legado e futuro

40 anos do MST: legado e futuro

Rafael Villas Bôas

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nasceu, em 1984, no contexto de reconstrução das forças coletivas e democráticas da sociedade brasileira. Surgiam naqueles anos finais da ditadura várias frentes organizadas: o Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978; o Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980; a Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983.

Quatro anos depois do nascimento do MST é promulgada a nova Constituição Federal (1988), apelidada de “Cidadã”. Para compreendermos a longevidade de quatro décadas do maior movimento social popular brasileiro e latino-americano é fundamental o entendimento das garantias constitucionais que conferem respaldo legal à luta popular pela reforma agrária e pelo cumprimento da função social da terra.

Contra a narrativa que associa o MST à desordem, a baderna, que busca por todos os meios criminalizar as ações e táticas e associá-las ao terrorismo, o movimento atua evocando a lei, o código agrário e os direitos constitucionais que zelam para que todo ser humano tenha direito à moradia, acesso à educação, saúde e alimentação.

A adesão à luta pela terra se faz pela necessidade imediata e pela construção da consciência e convicção de que as pessoas estão do lado certo da história: a luta social é um direito e uma possibilidade na democracia e não uma atividade marginal e contra a ordem, como é representada corriqueiramente nos meios de comunicação empresariais.

Para dialogar com as famílias nas periferias o MST desenvolveu amplo conhecimento de métodos de trabalho de base e técnicas de educação popular. O Movimento é herdeiro do legado das Ligas Camponesas, que atuavam com a Bíblia e a Constituição, organizando trabalhadores rurais nos idos das décadas de 1950 e 1960.

Cultura e arte na construção da identidade

No âmbito cultural o MST aprendeu também com o Movimento de Cultura Popular (MCP), que nasce em Pernambuco, e teve como seu integrante mais famoso o professor Paulo Freire, sistematizador da Pedagogia do Oprimido. Em termos de método, a experiência dos Centros Populares de Cultura (CPCs) da União Nacional dos Estudantes (UNE) também está presente no MST por meio das atividades das brigadas de agitação e propaganda, como a brigada Carlos Marighella, e as brigadas e frentes artísticas, que agregam e promovem processos formativos para os artistas militantes, que por sua vez, reproduzem os aprendizados em acampamentos, assentamentos, escolas do campo e centros de formação.

A cultura e a arte no MST cumprem papel decisivo na construção da identidade Sem Terra, além de exercerem funções formativas, pedagógicas, integradoras, organizativas e de entretenimento, como de forma pioneira identificou Roseli Caldart no livro “Sem Terra com Poesia”.

Educação libertadora

Para a educação brasileira a luta pela educação do campo contribuiu não apenas com políticas públicas para manter as novas gerações de camponeses no campo brasileiro, mas também com conceitos, para a produção de novos conhecimentos. As mais de quarenta licenciaturas em Educação do Campo no país, existentes desde a primeira década do século XXI em universidades e institutos brasileiros, formam milhares de professores camponeses, quilombolas e indígenas para atuarem em suas comunidades e territórios.

Enquanto o agronegócio expulsa as pessoas do campo, desterritorializa e fecha escolas, a reforma agrária luta para manter as famílias de trabalhadores no campo, com escola, cooperativa, vida cultural, preservação da natureza, reflorestando áreas degradadas.

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Representação na mídia

Apesar de ser representado pela mídia empresarial como um esteio de partidos políticos, sobretudo o Partido dos Trabalhadores, é frequente o conflito de posições entre Movimento e partidos a partir de divergências estratégicas e táticas, e do que é prioritário para a construção de um projeto socialista e popular para o Brasil. Exemplo foi a Marcha Nacional por Justiça Social e Reforma Agrária, em 2005, para exigir do governo petista a realização da reforma agrária, que Lula dizia em campanha que faria com uma canetada se eleito presidente do Brasil. Nesta Marcha, o MST deu um dos maiores exemplos de capacidade organizativa popular da história do país: mais de 12 mil pessoas marchando em duas colunas de cinco quilômetros de cumprimento, por dezessete dias, de Goiânia à Brasília.

A mídia representa o MST dentro dos parâmetros hegemônicos de representação da realidade: individualiza e personaliza o protagonismo em duas ou três lideranças, não publiciza a existência de um sujeito coletivo e invisibiliza a vida e dinâmica organizativa coletiva da organização, que é um dos principais legados do MST para a cultura política da sociedade brasileira.

Sou da geração que passou pela graduação em meados da década de 1990. Na época, resistíamos à precarização e ameaças de privatização da universidade pública, e o conceito de práxis era compreendido por nós apenas de forma teórica. O MST, em franca luta contra o neoliberalismo, emergia na história brasileira como um sujeito coletivo que exemplificava pelas marchas, pelas ocupações, pelas escolas itinerantes, pela resistência aos despejos, pelo método de organicidade, pela democracia ascendente, o que é a dinâmica da práxis da luta social em movimento.

Parte daqueles estudantes encontrou então uma experiência outra de engajamento, orgânica, que nos proporcionou contato direto com a classe trabalhadora do campo e um processo formativo complementar ao que vivenciamos na universidade, que na época anterior às cotas e demais políticas de inclusão era um ambiente de elite e classe média branca.

A luta contínua contra a desigualdade e pela democratização da terra por quatro décadas, a tática de resistência adotada durante o governo Bolsonaro, a aproximação com a cidade por meio dos armazéns do campo, de feiras da reforma agrária, da cultura e da produção de alimentos saudáveis, o fortalecimento da atuação em redes sociais e da produção audiovisual do MST, e as ações de solidariedade no combate à fome e no combate à pandemia da Covid 19 evidenciam o contraponto que o MST faz à elite rentista e colonialista do país, que comanda o agronegócio como um modo de produção agressor da natureza e explorador da classe trabalhadora brasileira.

Após enfrentar e vencer Comissões Parlamentares de Inquérito da bancada ruralista no poder legislativo, após resistir à movimentos como a União Democrática Ruralista (UDR) e agora ao Movimento Invação Zero (MIZ), o MST chega aos 40 anos com expressivo apoio popular, das universidades e com fortes articulações internacionais.

Esperamos que em 2034, no aniversário de cinquenta anos, o MST possa comemorar a efetivação da reforma agrária no Brasil, e seguir adiante, pois são muitas as pautas, demandas e batalhas a serem travadas.

*Rafael Villas Bôas é professor da Licenciatura em Educação do Campo da UnB e jornalista.

*Artigo publicado originalmente pelo “Brasil de Fato”

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