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As mulheres de Cannes 2024

As mulheres de Cannes 2024

Alguns eixos interessantes parecem ter balizado a recente premiação de filmes concorrentes à Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes deste ano, no último fim de semana. Ainda considerado o maior evento cinematográfico de indiscutível prestígio há mais de 50 anos, essa festa do cinema internacional continua acompanhado de outra premiação, das estatuetas douradas do Oscar, em Los Angeles, Estados Unidos. Ambas são as que mais promovem visibilidade internacional e proporcionam inscrição na história do cinema.

Cannes e o show anual de atores e atrizes no tapete vermelho da sua imutável Croisette são motores que continuam contribuindo para movimentar grandes fortunas construídas na indústria. Apesar de hoje ser denominada por muitos, em geral pelos produtores, como indústria do audiovisual, é uma das atividades do capitalismo tardio que mantém a sua essência artística: a Sétima Arte, exibida, de preferência nas telas grandes dos cinemas, para as grandes massas de espectadores.

Um desses eixos de Cannes 2024 foi a presença, a notória pressão e o trabalho das mulheres no Festival deste ano. A presidente do júri, Greta Gerwig, uma atriz norteamericana, é a autora dos filmes Barbie e Lady Bird.

O que baliza o segundo eixo do evento é o fato de dois entre os filmes mais premiados este ano falarem sobre a quebra de preconceitos e dos já monótonos clichês antifeministas. Contribuem para reafirmar a forte atuação das mulheres de todas as idades nas sociedades do nosso tempo e são filmes que desconstroem mitos estabelecidos e já gastos. Inclusive o mito do gênero imutável, de origem fisiológica, até aqui interditado ao trânsito do feminino para o masculino e vice-versa.

O terceiro eixo de Cannes, este ano, vem a ser o fortalecimento da visibilidade de um mundo multipolar e cada vez mais multicultural que já nasceu (ou está nascendo) apesar da resistência do Império e da relutância do Ocidente de modo geral em reconhecer e aceitar as culturas orientais.

Cena de ‘Anora’, de Sean Baker (Divulgação)

A principal Palma de Ouro concedida a Anora foi do diretor americano Sean Baker, de 53 anos, nascido em Nem Jersey. Ele dirigiu o foco pela sexta vez na sua filmografia para o universo dos trabalhadores e trabalhadoras do sexo, prostitutas e atores pornôs. Conhecido pelo seu estilo de cinema que aborda temas marginais da sociedade americana, Baker fez filmes que investigam a vida dos excluídos do sonho americano. Imigrantes, transexuais, trabalhadores sexuais.

“Fiquei amigo delas e deles e me interessei pelos milhões de histórias daquele mundo tentando ajudar a remover o estigma sempre atrelado a esses estilos de vida”, disse Baker, há dias, à revista Variety. Anora, seu oitavo longa-metragem, relata a história de uma stripper nova-iorquina envolvida com o filho de uma família de oligarcas russos. No início da relação o rapaz é cliente da moça, mas se apaixona por ela e os dois se casam para desespero do pai ‘oligarca’. Tema mais provocativo por parte do cineasta norteamericano é impossível. Provocatia, devem comentar os russos, em Moscou. E todos riem com essa comédia amorosa.

Detalhe: durante as filmagens, o diretor contou com a luxuosa assessoria de uma jovem prostituta. O que garantiu, dizem os que já viram o filme, a veracidade do perfil das trabalhadoras do sexo nessa sua viagem aos abismos trash dos Estados Unidos. Um tema mais genérico que, se reúne aos seus outros trabalhos, praticamente todos eles voltados para o que “me interessa”, diz Baker: os bastidores da histeria neocapitalista no seu país.

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O júri de Greta Gerwig atribuiu a Palma de Ouro a Anora e em paralelo premiou o elenco feminino do filme Emilia Pérez, do francês Jacques Audiard. E a estatueta de Melhor Atriz foi para a atriz transgênero espanhola Karla Sofia Gascon que nesse filme vem acompanhada de Selena Gomez, Zoe Saldaña e Adriana Paz. Nenhuma das três são trans.

Emilia Pérez é a boa história de uma talentosa advogada mexicana trabalhando em uma empresa esperta que acoberta os crimes de um cartel local. Um dia, Emilia recebe uma proposta inimaginável, de milhões de dólares, da parte de um chefão mafioso que deseja se aposentar e depois desaparecer para sempre.

A tradicional posição de Cannes de respeitar e divulgar o resistente e luminoso cinema iraniano não é recente. Atribuiu desta vez o Prêmio Especial para o respeitado cineasta Mohammad Rasoulof, de 52 anos, que acaba de ser condenado pela justiça do seu país. Durante a cerimônia da sua premiação foi anunciado que o cineasta foi ajudado por companheiros a fugir do Irã para alcançar a Croisette, sua antiga conhecida. Lá, Manuscritos não Queimem e Adeus são os seus filmes mais conhecidos assim como no Festival de Berlim.

O anúncio de sua fuga não podia ser mais interessante, dramático e de impacto para engordar a bilheteria internacional do filme que vem por aí.

Mohammad Rasoulof exibe fotos de dois de seus atores principais, Missagh Zareh e Soheila Golestani, no Festival de Cannes 2024 (Trong Khiem Nguyen/Flickr)

As Sementes da Figueira Selvagem, de Rasoulof, ao que parece, vai fundo no conflito de gerações dentro de uma família iraniana cujo pai se tornou um “cão de guarda” do regime dos aiatolás. É mais uma saga das mulheres batalhando por seus direitos nas sociedades dos quatro cantos do mundo. Essa, uma versão que chega de Teerã, foi ovacionada por vários minutos como era de se esperar.

Ao final de dez dias de exibição de filmes e com a festa terminada, resta aguardarmos, aqui, para assistir também os trabalhos dos cineastas ícones, veteranos que geraram expectativas, mas voltaram para casa de mãos vazias; em termos.

São eles; o que seria o filme-testamento de Francis Ford Coppola, Megalópolis. O mais recente de Cronenberg, The Shrouds. O badalado Oh, Canadá, de Paul Schrader, com uma dupla emblemática: a cinquentona Uma Thurman e Richard Gere, setentão. Ou Kinds of Kindness, do respeitado grego Yorgos Lanthimos, (do festejado Estranhas Criaturas) que proporcionou a Palma de Melhor Ator para Jesse Plemons. E Motel Destino, do cearense Amin Aïnous. Um conjunto de respeito, porém descartado pela turma de Greta.

Ricardo Teodoro como Ronaldo no filme ‘Baby’ (Vitrine Filmes/Reprodução)

Obrigatório lembrar a façanha do jovem brasileiro de 35 anos, Ricardo Teodoro, consagrado como Ator Revelação na sua estréia em Cannes. Teodoro vem da academia, cursou as melhores universidades brasileiras, e é pós-doutor em Artes Cênicas. No filme Baby, do diretor Marcelo Caetano, o mineiro empolgou o júri e o público com a sua interpretação de um garoto de programa que vive no Centro de SP. Ainda vamos ouvir falar muito desse astro que desponta em meio ao mulherio da Riviera.

*Imagem em destaque: Selena Gomez, Karla Gascón, Adriana Paz e Zoe Saldaña, do elenco de ‘Emilia Pérez’ (Reprodução)

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